Viva la Revolución

Fomos fundo na sexualidade para responder a uma simples pergunta: estamos vivendo uma revolução sexual?

por / Juliano Coelho / ilustração / Guilherme D’Arezzo

A DÉCADA DE 2010 é do Tinder, do Happn, do Kickoff, do poliamor, da pornografia mais difundida do que nunca, das camgirls, das manifestações por direitos dos homossexuais e transgêneros, dos vazamentos de vídeos íntimos, da invasão de celular, da lei Carolina Dieckmann… A lista de fatores que tem transformado nossa sexualidade é gigantesca e aumenta a cada match.

É tanta coisa que colabora para a mudança na forma que encaramos o sexo que não houve como evitar a questão: será que estamos vivendo uma revolução sexual? Para responder a essa questão, a SEXY resolveu questionar especialistas, pesquisar sobre o assunto e mostrar como as mudanças que estão acontecendo mundão afora mexem muito com sua vida. E, se você não pegar – ou ao menos entender – a onda, pode ficar ultrapassado. Ou melhor, você pode se tornar lentamente o seu tio-avô, que vê uma cena de sexo em uma novela e fala que tudo aquilo é sem-vergonhice.

Viva la Revolución - Matéria - Revista Sexy

REVENDO AS REVOLUÇÕES
Pra deixar claro o X da questão, é bom saber disso antes: em centenas de milhares de anos da história da humanidade, passamos por somente outras duas revoluções sexuais. Uma lá no século 18, que teve início na Inglaterra, e a segunda nas décadas de 1960 e 1970. Ou seja, a coisa é séria. Não é porque você e seus amigos foram a uma festinha liberal que a sociedade toda tá mudando. Uma revolução é, por definição, uma mudança profunda ou completa nos costumes, nas artes e nas ciências, que ocorre em um espaço de tempo relativamente curto.

Voltemos lá pra Inglaterra dos anos 1700 e pouco. Resumindo bastante, o que rolou foi que o comportamento sexual de cada um deixou de ser uma questão pública, de interesse da Igreja e do Estado, para passar a interessar somente à privacidade. Foi importante demais. Antes disso, era comum alguém ser enforcado por praticar sexo fora do casamento, por exemplo. E na época, eles levavam isso ao pé da letra: incluia também sexo antes de casar. Tenso.

A mudança existiu, mas foi importante só para homens ricos, heterossexuais e brancos. Demorou para outros setores da sociedade começarem a conseguir direitos parecidos. E isso só ocorreu na…
… Segunda revolução sexual! É a mais famosa delas (tanto que muitas vezes é interpretada como a primeira e única). Os anos 60 e 70 do século passado (sim, século passado) foram marcados por uma série de eventos independentes, mas que mostravam que os jovens queriam exercer sua sexualidade sem culpa, nem se preocupar com o julgamento dos outros.

Nos EUA, hippies cantaram pelo amor livre; na Europa, estudantes parisienses iniciaram, em 1968, uma greve geral histórica que reivindicava, entre outras coisas, o direito de exercer a sexua- lidade da forma que quisessem e, no mesmo ano, 400 ativistas do WLM (Women’s Liberation Movement, ou movimento pela liberação das mulheres) queimaram os seus sutiãs enquanto rolava o Miss America, em um ato que simbolizava as mulheres se livrando do machismo.

Além de toda essa efervescência social, o uso da pílula anticoncepcional feminina começou a se disseminar na época, dando à mulher o direito da escolha de ter filho quando quisesse. Tudo isso ao mesmo tempo fez com que todas as gerações que vieram depois pudessem gozar (eita!) de uma liberdade que não era nem imaginada por nossos avós. Até a própria exploração do sexo pela mídia nos anos 1980 e 1990 só foi possível depois disso. Não é exagero dizer que a criação das Chacretes ou da banheira do Gugu, que tanto embalaram – para não dizer inspiraram – o pessoal só foi possível porque a geração de 1960, muito nobremente, lutou por uma liberação sexual sem precedentes. Mas e agora?

Viva la Revolución - Matéria - Revista Sexy

CONSULTANDO OS “UNIVERSITÁRIOS”
É muito complicado bater o martelo sobre a dimensão histórica de alguma coisa que ainda está acontecendo. Se é verdade que uma nova era sexual está começando, estamos no olho do furacão. É por isso que os próprios especialistas no assunto não entram em um consenso quando questionados, assim, na lata: “Você acha que estamos vivendo uma terceira revolução sexual?”, o que mostra que a pergunta é mais do que válida. Compare as opiniões:

“Eu não sei se a gente poderia chamar o que a gente vive hoje de uma revolução. O que ocorre, com certeza, é o resultado da diminuição da importância do mito do amor romântico. A ideia de conseguir viver uma completude com uma pessoa só, com a qual você será feliz para sempre, com amor e sexo no casamento.”
_Ana Canosa, psicóloga e terapeuta sexual.

“Acho que vivemos, sim, uma revolução sexual e digo ainda que só a diminuição do tempo entre um acontecimento importante e outro é bastante revolucionário. Desde a década de 1950 pra cá já houve várias pequenas revoluções: a pílula, a Aids, o viagra e, agora, a internet. Os resultados de todos esses elementos para a sexualidade são revolucionários.”
_Maria Cristina Romualdo, psicóloga, terapeuta e orientadora sexual.

“Vem acontecendo uma sucessão gradual de fatos, que, juntos, podem ser considerados uma revolução. Há uma tendência ao sexo banalizado que não havia há 20 anos, e os aplicativos acabaram contribuindo bastante pra isso. Você os utiliza pra colher pessoas, como se fossem mercadorias. Acabou um pouco aquele lance de poder flertar com alguém, escolher alguém através do olhar ou do bate-papo. Eu acho isso uma coisa muito negativa, porque não permite que as pessoas construam vínculos. Se não tiver uma nova forma de ponto de vista social que valorize mais os vínculos e as relações familiares, daqui a pouco não vai existir mais nada.”
_Carla Cecarello, psicóloga e sexóloga.

Viva la Revolución - Matéria - Revista Sexy

E AÍ, “VIVA LA REVOLUCIÓN” OU NÃO?
É, nem os entendidos do assunto entram em consenso, o que é um baita sintoma de que estamos vivendo em um período de grandes transformações. Com tanta divergência, a gente vai ajudar você a chegar à sua própria conclusão a partir da tese defendida pelo historiador inglês Faramerz Dabhoiwala no capítulo final de seu livro As Origens do Sexo, que explica como ocorreu a tal da primeira revolução sexual, no século 18. O historiador defende que não foi um fenômeno apenas comportamental, mas também social, econômico e até científico. E a verdade é que temos todos esses fatores hoje em dia:

FATOR SOCIAL
O declínio do amor romântico, daquele “e foram felizes para sempre”, é inegável. Diz se você não concorda com essa afirmação de Carla Cecarello: “Cada vez mais os casais se juntam e vão morar juntos já tendo como quase certa a chance de se separar”. A grande verdade é que a perspectiva da família tradicional, liderada pelo homem “chefe de família” com um lugar marcado no sofá à la Homer Simpson e com a mulher “dona de casa” e submissa cuidando dos filhos está em xeque. Aliás, a própria existência dos filhos já não é garantida, já que há cada vez mais casais que não querem ter herdeiros.

FATOR ECONÔMICO
A mudança econômica é notável também na imensa oferta de produtos e serviços relacionados ao sexo e na forma como isso aumenta. Há algum tempo não se imaginava que haveria um site na internet em que as pessoas receberiam grana para fazer sexo online, por exemplo. As empresas que interagem com o assunto, como a SEXY, também se modernizaram para acompanhar seu tempo.

FATOR CIENTÍFICO
O fator científico pode ser exemplificado por avanços na medicina, como os remédios para a potência masculina, e o avanço nas operações de trocas de sexo para os transgêneros. Até Ana Canosa, que não concorda que vivemos uma revolução sexual, acha esse último aspecto revolucionário: “O estabelecimento da questão dos transgêneros, casais de transexuais tendo filho, a existência de homens que nasceram mulheres que não tiraram o útero e podem ter filhos. Isso é social e médico, é a lei dando suporte. Isso é revolucionário”, diz.

Uma outra descoberta revolucionária, se ocorrer, será a da cura da Aids, que certamente pode redundar em mais pessoas transando mais com menos culpa. Mas é sempre bom deixar claro: as outras DSTs vão continuar existindo (ou sabe-se lá se outras surgirão) e, com o aumento da população sexualmente ativa, a camisinha é uma parceira inseparável nesses tempos modernos.

Viva la Revolución - Matéria - Revista Sexy

TUDO CERTO, NADA RESOLVIDO
O resumo de toda essa série de informações é que, se não estamos vivendo efetivamente uma revolução sexual, muita coisa está mudando ao mesmo tempo e quem não entender isso vai perder o “famoso” bonde da história. Goste você ou não, questões como os direitos dos homossexuais e transgêneros, os relacionamentos poliamorosos, a profusão de pessoas que querem apenas sexo casual são fenômenos reais e duradouros. A tendência é que as relações se abram para diálogos mais sinceros, sem que o parceiro ou a parceira traia às escondidas (ou com um deles fazendo vista grossa).

O importante é entender o mundo que você vive e, principalmente, preservar sua saúde. Portanto, nunca deixe de se proteger com camisinha. De resto, o limite está finalmente chegando ao céu. E pensar que demoramos esse tempo todo de existência da sociedade para, só agora, nos anos de 2010, com a internet, as redes sociais e as inovações científicas, fazer com que as pessoas possam exercer a sexualidade da forma que bem entenderem.

Por sinal, ainda há uma espécie de contrarrevolução de setores conservadores da sociedade (alô, câmara dos deputados!), mas tudo indica que a liberdade sexual é uma força maior. Fica a seu critério se você vai celebrar ou nadar contra uma – fortíssima – maré.