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Conheça a vida dos detetives particulares e saiba o que eles podem descobrir para você.

por / Juliano Coelho / fotos / Alexia Santi e Fernando Genaro / Agência Ophelia

FAZ QUATRO HORAS que o cara entrou no escritório. Ontem, ficou 10 horas ali dentro. Nunca vi um contador trabalhar tanto. Será que a amante dele é uma colega de trabalho? A escuta do carro não revelou nada e já faz três dias que ele segue rigorosamente o mesmo trajeto. É um CDF. Por outro lado, a cliente disse que o marido tem todo o comportamento clássico de quem tá metendo uns chifres: está mais distante, resolveu frequentar academia – sendo que nunca se preocupou com o condicionamento físico em 30 anos de casamento -, dá no couro bem menos que antes e também tem atendido mais às vontades da esposa. É tanto clichê que eu até desconfio. Vai que a esposa embarangou e o cara só tá numa crise de meia idade… Será que posso ir mijar rapidão? Esse boteco aqui do lado deve ter um daqueles banheiros horríveis… Mas e se eu perco o cara? Da última vez que eu perdi uma mulher saindo com o amante, me fodi. Tive que trabalhar mais dois dias de graça. Pagar do meu bolso. Uma mijada que me fez perder uns 600 reais. Foda-se, vou esperar. Sou que nem caminhoneiro, a vontade de mijar me deixa alerta. Ah! Tá saindo uma SUV preta da garagem do prédio, tomara que seja o alvo. Uma Tucson preta e a placa…F…G…H…5…caralho, é ele! Sabia que a amante era do trabalho! Famoso motelzinho de tarde. Bora seguir esse filho da puta pra saber onde os pombinhos se encontram. Acabou a festa pra esse daí!”

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O relato acima, fíccional, é o típico fluxo de consciência do detetive particular em campana e seguindo o investigado. É também sua função mais rotineira. Não tem muito a ver com a forma com que o show business consagrou a profissão. Nada de um cara superperspicaz procurando vestígios de um crime na casa do suposto assassino. Na vida real, o detetive das ruas é bem mais elementar, meu caro Watson: é, basicamente, um motoqueiro com um poder bastante avançado de controlar a bexiga e uma paciência de Jó. E, quando for preciso que se siga o alvo em um ambiente público, como um restaurante, um shopping ou nas ruas, é importante que o campaneiro saiba se misturar sem ser notado. Com essas habilidades, já se tem meio caminho andado para tornar-se um detetive particular. O lado bom de toda essa paciência é, claro, a grana: “Hoje em dia, um campaneiro recebe 300 reais por dia de serviço e trabalha, em média, de oito a 10 horas por dia, variando de caso a caso. Só isso já faz com que seja uma profissão mais bem paga do que muito profissional com diploma universitário”, diz Fabricio Dias, 36 anos, dono da Agência Líder Detetives (liderdetetives.com.br), que tem 15 campaneiros exclusivos trabalhando na rua.

Hoje em dia, muitos detetives preferem capturar imagens com celulares em vez de handicams. Uma pessoa segurando um smartphone na rua é algo bem corriqueiro e dá bem menos bandeira.

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[1] Detetive acopla um GPS e uma escuta no veículo a ser seguido. Ele só pode fazê-lo com autorização de alguém que tenha acesso ao carro.

Mas toda essa história de seguimento, campana e flagrante começa quando alguém se sente tão preocupado em uma situação da vida que resolve, custe o que custar, descobrir se está ou não sendo enganado por alguém próximo. Quais são as situações mais comuns que fazem uma pessoa contratar um detetive particular? “O que mais aparece pra gente, na base de 70%, é caso de desconfiança de adultério, mas a gente também atende grandes empresas e até casos em que os pais querem saber se os filhos estão consumindo drogas, ou quando querem saber a opção sexual dos filhos”, diz Fabricio. Para obter essas informações uma sincera conversa do tipo “senta aqui, precisamos conversar sobre um assunto” resolveria, mas os clientes estão dispostos a gastar uma quantidade generosa. A agência de Fabricio recebe de 900 a 1.200 reais por dia “nos casos simples, que costumam durar de cinco dias a uma semana”; já a empresa da detetive Daniele (detetivedaniele.com.br) cobra um valor fechado, que gira em torno de 4.500 a semana, também dependendo da complexidade do caso. Já Edipolo, pseudônimo do dono da Edipolo Detetives (detetiveedipolo.com.br), uma agência especializada em contraespionagem e casos empresariais, que geralmente necessitam de trabalhos de inteligência e tecnologia mais sofisticados, diz que não costuma fechar serviços por menos de 10 mil reais. E não falta trabalho. Todos os três donos de agência são categóricos ao dizer que o que falta é mão de obra qualificada.

“Para começar na área, o que geralmente se faz é um curso, que nem aquele do centro da cidade, onde se aprende só o básico. Depois, tem que se virar sozinho ou procurar uma agência pra trabalhar. Eu só contrato agente com um pouco mais de experiência”, diz Daniele, que começou a carreira, como quase todos os detetives particulares, como campaneira. O curso ao qual ela se refere é o mesmo que Fabricio e Edimario Edipolo fizeram, do Iudep (Instituto Universal – sim, universal – de Detetives Particulares). É um começo para se ter uma noção do caminho das pedras, mas não prepara o profissional completamente para o que está por vir. “Eu mesmo dou aula no curso e, de vez em quando, pego uma ou outra pessoa que eu vejo que pode ser boa e treino. Mas, pra aprender de verdade, não tem jeito, tem que ir às ruas. É um trabalho em que a prática é muito diferente da teoria. O que tem de detetive recém-formado que pega o adiantamento do cliente (é a praxe que o cliente pague 50% do serviço antes de começar) e depois não sabe o que fazer com aquilo, é impressionante”, diz Edipolo.

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[2] Detetive em campana espera movimentação do alvo.

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O campaneiro tem de ser paciente, discreto e focado. Já se o detetive conseguiu crescer na carreira a ponto de abrir uma agência, seus talentos têm de ser completamente diferentes. O dono de agência é quem trata diretamente com o cliente e tem de – além de administrar a equipe com competência e saber quantos agentes precisa deslocar para cada caso – saber dar más notícias com serenidade. “A verdade é que ninguém chega pra nos procurar com um sorriso no rosto. Todos os clientes estão desesperados a ponto de… contratar um detetive. Então, muitos estão à espera do pior e só querem ter uma confirmação de uma vez por todas”, diz Fabricio. No entanto, o problema das más notícias, principalmente nos casos de adultério, não está necessariamente no conteúdo, mas na forma que elas se revelam, algumas vezes muito cruéis: “Costumo sempre contar o caso de um senhor muito rico que saía com um travesti, horroroso, magricelo, devia cobrar uns R$ 10. E ele não foi nem pra motel, não, levou o travesti pra um hotel bem legal, saiu só no outro dia”, diz Daniele.

Outra história que dói no coração só de ouvir o relato é contada por Fabricio: “Veio uma vez aqui uma senhora de uns 60 anos que lutava contra um câncer e queria saber se o marido, que já tinha seus 70, a estava traindo. Ela veio aqui no escritório quando a gente conseguiu o flagrante por meio da escuta veicular. Eu, na frente dela, pus o áudio do marido falando coisas como: ‘Por que essa velha não morre logo? Tô carregando esse traste na minha vida’. Aí você vê, depois de tantos anos dedicando a vida ao homem, ouvir seu marido falando isso de você com uma menina de 20 anos é punk. Ela tremeu”.

Esse tipo de notícia, dependendo da sanidade de quem recebe, pode ter as mais variadas reações. Ou a pessoa só sai xingando Deus e o mundo e segue com a vida, ou ela “joga um tijolo no párabrisa do carro” do marido, conforme outro caso relatado por Fabricio, ou, na extrema pior das hipóteses, faz picadinho do parceiro, como fez Elize Matsunaga com o ex-marido Marcos Kitano Matsunaga, então CEO da empresa alimentícia Yoki, em um caso que ficou famoso no país inteiro. Elize ficou sabendo que seu marido a traía por meio de informação obtida com detetive particular.

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CASOS EMPRESARIAIS
Edipolo é o mais próximo que se pode chegar na vida real de um Inspetor Bugiganga. Como ele se especializou em casos de contraespionagem empresarial, tem tudo que é traquitana: escuta, rastreador, microcâmera, receptor e transmissor de vídeo e áudio e afins. As empresas procuram seus serviços quando há uma desconfiança de que o concorrente ou até um funcionário infiltrado está pegando informação privilegiada para seu benefício. Para localizar escutas ou microcâmeras, Edipolo tem parafernálias como o receptor de escuta, que recebe, em tempo real, todas as ondas UHF e VHF transmitidas por escutas ou microcâmeras, quando transmitem sinais para algum espião. Ele também faz a varredura da empresa para procura de gravadores. Edipolo garante que seu trabalho não é fruto de paranoias infundadas: “Mais da metade das vezes a desconfiança do cliente se confirma”. Essa porcentagem de 60%, aliás, também é a mesma que Fabricio e Daniele dão para as confirmações de casos de adultério. Há ocasiões em que o detetive particular pode até contribuir com um flagrante da polícia. “Um cliente, dono de uma metalúrgica, estava desconfiado de que seus funcionários estavam roubando fios de cobre. Ele nos contratou e descobrimos, por meio de microcâmeras implantadas, que havia um esquema liderado por um funcionário com mais de nove anos de casa. Entramos em contato com a polícia e usamos o nosso equipamento de rastreamento em tempo real para mostrar o crime acontecendo. Assim que os funcionários saíram com uma mochila cheia de fios de cobre, a polícia deu voz de prisão. Todos foram detidos, demitidos por justa causa e tiveram de pagar indenização”, diz Edipolo. A empresa de Fabricio também conseguiu pegar um criminoso no flagra usando um aparelho mais simples: um rádio-relógio com câmera e gravador acoplados. O aparato detectou uma tentativa de extorsão por parte de um advogado de uma fazenda. O cliente de Fabricio era dono de uma indústria que jogava detritos no rio – nada muito ético, diga-se de passagem -, mas estava prestes a regularizar sua situação. O dono da fazenda queria fazer um “acordo” que obrigava o cliente de Fabricio a pagar uma grana para que ele não fizesse a acusação formal. Um rádio-relógio mequetrefe detectou a tentativa de extorsão e, por conta disso, o fazendeiro foi indiciado.

OS LIMITES DA ESPIONAGEM
Apesar de serem especializados em seguir os alvos dos clientes e conseguir informações compulsórias deles, os detetives particulares não podem infringir a lei. Portanto, nem adianta procurar um detetive com a intenção de instalar um grampo telefônico, hackear uma conta de e-mail ou WhatsApp, ou quebrar sigilo bancário. Isso só a polícia faz. Para regularizar as escutas nos veículos e se livrar de qualquer acusação, os detetives particulares fazem com que os clientes assinem termos de responsabilidade que autorizam a instalação de escutas, GPS e aparelhos do gênero. Ninguém está falando que não há agências ou detetives que façam esse tipo de serviço, porque há, mas, antes que você instale um grampo no telefone da empresa concorrente, é bom que saiba: quem responde pelo crime, no caso de ser pego, é o detetive e o contratante. Aí a escolha fica por sua conta. Você prefere ser corno ou criminoso?